sábado, novembro 11, 2006

[dos caminhos]

O besouro apressou-se para debaixo da pedra listrada e ela levou os dedos à terra, como alguém levou os dedos ao piano. Tensa, densa, imensa, a terra despertou com a intrusão. Súbito: esquadrinhou-lhe os dedos farejando a pele, auscultou-lhe o sangue sulcar caminho pela carne, enfiou-se pelas unhas tentando alcançar o coração. A mão tremeu na terra e recuou com o abalo da inquisição. Muito mais tarde, apenas o tempo de uma respiração, aproximou-se transparente, quase com medo quase pedindo quase chorando. O piano reconheceu a melodia de quem o tocava e tomou-a para si, ecoando na pequena sala, escapando pela janela aberta na parede oposta. A terra soube que o toque dela não trazia um tirano. De trás da pedra listrada saíram todos os tons de verde. Ela leu na fragrância que subia do solo que fora acolhida e, tombando, esquecendo a certeza das direcções, norte sul este oeste transtornados, acordar lavar a cara vestir algo sair de casa a correr, bons dias boas noites boas tardes trocados num passado sonho esfumado, vida, que vida até agora, que sentido fizera a vida até agora, soltou o choro que guardava nos olhos. Um alvoroço de asas cobriu o céu por momentos, azul negro azul estilhaçado, flocos de cinzento que desciam com a cadência das folhas de outono. Invocada pelas penas que caíam, por todos os tons de verde, por um piano qualquer ou pelo choro dela, uma multidão de chilreios encheu o ar. As lágrimas atravessaram a terra ao longo de toda a tarde que o sol demorou a descer. A noite: lentamente, fez-se noite. Uma a uma, as aves recolhiam às ramas e cessavam o canto, confundindo-se de novo com as folhagens. Os soluços dela cederam ao anoitecer. Alguém tocava uma sonata ao luar. Uma promessa de luar sobre este bosque também.

Abriu os olhos para o alto. Não há céu que cubra a nossa dor. Não há céu que cubra… Um uivo ao longe. Os últimos acordes da sonata. A lua estaria lá, estaria entre os astros impossíveis. Pousou os dedos nas pálpebras, calando as lágrimas que restavam escorrer.

………………..

E agora, merece-o. Agora os passos. Agora o chão, agora o frio. Agora ir fazendo o caminho. Serrat! Agora as sandálias pela poeira, os restos de outros presentes sob os pés, os sons dos passos. A lua algures. A pele a arder, a sussurrar memórias de calda morna, memórias de quietude, todas as memórias de segurança e certeza, de uma saudade pequenina que te envenena o sangue. A pele a segredar: deixa-me envolver-te, voltemos juntas para casa. Mas tu sabes que casa ficou para trás, que a escolha é consumada. Agora, os passos.

Os céus continuam reféns da noite, pode nunca mais ser dia. Os lobos sibilam, satisfeitos, que o destino do mundo é escurecer. Tudo acordado, tudo alerta. Dormem talvez aqueles que te querem bem. Dorme o piano. Não tomes como ameaça a vigília, não vejas intenção no agreste. O cosmos não é hostil, é vertigem.

………………….

As cigarras cantam na vertigem, lá fora. Se pudesses pensar o canto da cigarra como um sentimento, terias paz. Mas tu nem sabes da distância entre a respiração e a palavra. Tu cismas se a atmosfera é uma armadilha. Por isso dormes, e quando acordas levas as mãos ao piano.

Mas ainda é cedo, e enquanto a noite guardar os céus, sonharás com um bosque de sombras onde caminha sozinha a tua filha. Tremerás, e tremerão contigo as penas de ganso e as molas do colchão, ao sonhá-la pisar, quase, uma serpente, uma pedra aguçada, um buraco camuflado. Verás como olha em redor, perscrutando o balanço dos troncos e o piar do mocho. Reconhecerás no seu olhar uma coragem que recusaste ter. Fita o seu olhar, fita a chama que nele nasce. Não pares de olhar! A chama cresce para ti: fixa-a enquanto ela se incendeia nos teus tremores, nos teus suores. Encandeia-te na chama enquanto ela te consome, cega-te no laranja da chama, no negrume de ti. Acorda! E geme, geme para as penas de ganso, para as molas do colchão, para a luz do candeeiro que acendes (ainda não é seguro deixar entrar os raios do sol nascente), para o piano fechado que espera:

“A indizível, indelével, subterrânea dor de todas as coisas. O peso de existir, o peso de existir… O horror de todo o caos, o horror de tanto cosmos, o terror de cada visão. E termos que ver, termos que assistir, agrilhoados, à condenação. Sabermos as cinzas que seremos, as cinzas que somos. E, pior que tudo o mais, não haver porquê! Não há destino, ou motivo, ou sentido, no que há. Não há Deus para nos embalar. Não há céu que cubra a nossa dor.”

E leva as mãos ao piano.

……………….

“Será a luz uma partida das sombras?”, perguntas aos raios do sol nascente (ou terão perguntado por ti as pestanas?). Esfregas os olhos e ris-te da pergunta: “É decerto uma partida das sombras! A questão é: quem faz a partida, e quem parte, e o que parte?”, pensas, enquanto a luz vem chegando rindo de alguma partida, vem rindo e partindo as sombras com pequeninos cristais que caem debaixo das copas das árvores, estilhaçando a manta escura que cobria a vigília em reflexos de verde, reflexos de rosa, reflexos de céu, reflexos da estrela que sobe sobre as copas. E paras para assistir à partida da noite, sem dúvida uma partida da manhã, como confirmam cúmplices os risos das primeiras aves.

“Como é possível não existir uma casinha de chocolate neste sítio?”, espantas-

-te, ao olhar em redor. “Onde terá ficado, no seu caminho para este lugar? Ter-se-á porventura distraído nalgum vale secreto, ignorando durante séculos o apelo desta clareira? Chegará algum dia? Ter-se-á esquecido de que há um único lugar na Terra onde pertence?”, lanças consternada, e nada te responde. Começas a duvidar do destino, enquanto decides, resoluta, que não serás uma casinha de chocolate. Não te perderás pelo caminho, não faltarás ao sítio onde pertences. E partes de novo, ninguém sabe rumo ao quê, seguindo o sol, para já.

………..

Há quanto tempo não partes? Há quanto tempo pisas os mesmos passos, encontras as mesmas paredes, os mesmos fantasmas? E no entanto, vives. Levas as mãos ao piano quando acordas. Levas os olhos à pequena janela que se abre para a vertigem, lá fora. E levaste a pena ao papel. Endereçaste a carta. E aquele pedaço de papel esborratado percorreu todos os caminhos que te esperavam, deu todos os passos que te faltavam, chegou onde tu deverias ter chegado. E agora, embora ainda não o pressintas, alguém percorre o caminho de volta. Alguém está para chegar.

………

Deverias ter chegado surpreendendo, e chegaste surpresa por não haver ninguém para surpreender mais. A mãe suspirou, “Helena”, suspirou. O pai soube muito depois, muito longe dali. E tu cresceste a imaginar como seria nascer para alguém. E então chegou aquele pedaço de papel amarrotado, chamando “Helena”, chorando “Helena”. E tu partiste.

Agora que deixas o bosque e tomas a estrada, não te consegues lembrar de uma tarde com tanta luz como esta. A luz vem de um céu quase branco, do pavimento da estrada, das últimas árvores, dos seixos ao longo do caminho, do vento nos teus cabelos, da própria terra, do teu nome, “Helena”, do teu nome. E segues, os passos pela estrada, por toda essa luz.

……………..

“Helena”, repetes, “Helena”. Mil vezes a culpa, “Helena”, mil vezes o pesar, “Helena”, mil vezes o nunca, “Helena”. Mil vezes a memória de quando soubeste que nascera, pelo sangue da mãe nascera. “Helena”, que abandonaste antes de saberes que estava para chegar. “Helena”, contra quem pecaste. “Helena”, que não saberá como é ser querida. “Helena”, razão por que te fechaste nesse sótão. “Helena”, que te privou para sempre da felicidade.

…………….....

“Felicidade?”, perguntas-te, não percebes bem porquê, “Felicidade? Palavra tão frívola, felicidade, quase a casca de uma palavra. Felicidade, palavra sem sumo, palavra maquilhada, maquinada! Não tem nada a ver com a vertigem, nada a ver com o mistério, com os passos, com o sagrado. Como poderia amar uma palavra que não tem nada a ver com o olhar?”

E enquanto pensas o dia branco refugia-se em lua sobre a estrada, e tu chegas à cidade.

……………..

“Será que a cidade pertence à vertigem?”, pensas, olhando pela janela enquanto a lua cresce sobre a noite, estranhando pensares assim. E então, que estranho, escutas a chuva derramar-se de repente sobre a cidade, vês a água a escorrer pelos telhados, e já não vês ou escutas mais nada. E só há as águas.

……………

As pessoas fogem para suas casas e ela corre pelas ruas, ele corre para as teclas. Toda a cidade é chuva, a cidade já nem sabe se há de ser noite. E só há as águas. Ela corre, corre, tropeça, corre, corre para a promessa de brilho branco que tem de estar algures. O piano chora, chora toda a chuva, toda a mágoa, todo o pesar de uma perda. Chora pela janela aberta para as águas. Chora entre as lágrimas dos céus. Chora sobre os passos dela. E, que estranho, ela deve ter ouvido o eco desse choro. Porque corre, corre mais que nunca, corre seguindo o rasto que o choro deixa na chuva. E na cidade só há as águas, os passos e o piano. Mas, que estranho, o piano deve ter ouvido os passos dela a chegar, porque de repente se cala. E calam-se os passos. E só há as águas.

O piano calou-se, estranha ele, não consegue mais chorar. Corre para a janela e descobre, sobre os telhados, o luar que lhe prometera num pedaço de papel esborratado. E Helena, as últimas lágrimas escorrendo em silêncio na luz branca que vem do luar ou do seu nome.

quarta-feira, outubro 18, 2006

A Menina da Chuva

Chove. Chove intensamente, copiosamente, desesperadamente. E a menina só, bem pequenina, a rir debaixo do guarda-chuva.
Não tem medo, ou pressa, ou frio - anda bem devagar, de guarda-chuva na mão, a ouvir a chuva que lhe cai em volta, a sentir a chuva que lhe cai em cima (aquela chuva grossa e imensa, a querermos dançar debaixo dela), a fazer-se chuva ela também, porque enquanto os outros fogem para as entradas de prédio, as mesas de café, os sofás à lareira, a menina prende o guarda-chuva entre as mãos e vai, e ri, e chove ela também, cheia de sonhos agarrados ao guarda-chuva por entre as borboletas verdes das abas.
Porque a menina cantarola baixinho (canções doces e suaves a fundirem-se com a chuva já) e debaixo do guarda-chuva anda devagarinho e dança, a rir a chuva. Não há Tempo ou Onde mais, só a menina, a menina a rir debaixo do guarda-chuva roxo de borboletas verdes nas abas, e a chuva, aquela chuva imensa, a chover intensamente, copiosamente, desesperadamente.
Mas são chuva já, aqueles sonhos de menina, são água a fazer-se nuvem a querer chegar já ao arco-íris que fica depois do Sol, e as mãos e os pés e o riso debaixo do guarda-chuva roxo dançam os dias que ainda não vieram, a chuva que nos vem limpar as manhãs, e é por ela, sim!, é por ela, é pela menina do guarda-chuva roxo que chove, é só pela verdade daquele riso, é pelos pés a dançarem a chuva intensa e pela boca a cantar baixinho e pelas mãos a prederem o guarda-chuva roxo, e em breve as borboletas verdes fazem-se voo e o guarda-chuva esquece a gravidade, e voa, voa!, voa uma menina de guarda-chuva nas mãos a sonhar o riso dos dias de chuva grossa e imensa, voa até lá longe, até esse lugar depois do Sol.
Chove. Chove intensamente, copiosamente, desesperadamente. E sob as nuvens a fazerem-se terra há debaixo do roxo uma menina a sorrir, de gotas de chuva nos bolsos.

domingo, outubro 15, 2006

O trabalho de Osíris

Paro o carro. O semáforo, vermelho, carregando uma luz gasta e proibitiva, impede-me de avançar. Sinto-me preso a um mundo de alterações, sem as conseguir acomodar à minha constante e sistemática mudança de personalidade. Na minha direcção vem um velho, solitário, passeando o seu pequeno e ignorante cão, aquela amostra de vida.

Do outro lado, caminha um par de namorados. De mãos dadas abraçam-se como só eles conseguem, passando sobre todas as impossibilidades físicas para se terem um ao outro. Beijaram-se há uns minutos.

Estou sozinho numa estrada perdida no meio da cidade, isolado do movimento perene por este sinal vermelho que me impede de avançar. O tamborilar dos dedos sobre o volante tornou-se um hábito estranhamente necessário que ajuda a passar aquela fracção de tempo entre o vermelho e o verde, entre proibição e permissão, entre o sentimento de estagnação e o de movimento. Tamborilo os dedos como sempre o fiz, sempre sobre o mesmo volante, sempre o mesmo «eu». Espero ansiosamente o verde que teima em não surgir.

O retrovisor do lado esquerdo reflecte uma gelataria. Uma criança agarra a mão da mãe e puxa-a para a loja. É impossível resistir aos sorrisos alegremente estridentes destas criaturas. Um cone, duas bolas: uma de chocolate e outra de nata. Um sorriso nos lábios atravessa aquela cara de orelha a orelha. Vê-se, tão nítido como qualquer vento do norte, como qualquer coração apaixonado, um beijo silencioso de agradecimento. Também a mãe se ri agora, contagiada pelo incrível espectáculo de som que é o riso de uma criança.

No seu passo lento, o velho passa mesmo à minha direita. Vai a deambular palavras de solidão, conversas esquecidas com os familiares que já não vê há muitos anos. O cão que transporta cheira a uma desculpa para ter de sair de casa. Consigo entender a dor do pobre velho, o sofrimento que sente ao pensar na mulher, vítima de cancro, nos dois filhos que largou para a vida e dos quais não ouve nada há quase um ano. O ar que o cerca está impregnado com o sabor a solidão. E a família, que até era muito unida…

Os namorados encontram um banco. Sentam-se. Desafiam ainda mais as leis da física quando bebem cada partícula do corpo um do outro. Talvez os tempos sejam diferentes, talvez a vida seja outra, mas ainda respiram o mesmo ar. Ainda sentem o tempero adocicado do amor que os rodeia. Ainda se beijam com a mesma intensidade com que teria beijado… Se fosse outro!

Aquela mãe ainda sorri. Aqueles namorados ainda riem um para o outro. Aquele velho ainda resmunga. Aquele mundo não era diferente! Distorce-se a minha boca num sorriso maliciosamente esbatido. Vejo que as pessoas ainda são as mesmas, vejo que os sentimentos ainda não se diferenciaram. Vejo, por fim, que fiz um bom trabalho. E sinto-me pronto para avançar. Por isso olho para o lado.

O velho sente-se cativado pela expressividade da minha face. Faço-lhe sinais. Aponto para o cãozito.

*

No terceiro andar daquele edifício velho, com as janelas para a gelataria, o Rapaz olhava atentamente para a rua. Um velho passeava o seu cão. Quando o viu entrar no carro, o Rapaz sentiu um pico de tensão no ar.

O carro começou a andar assim que se viu uma luz esverdeada no semáforo. Uma fracção de segundo antes de o carro ter contornado completamente a esquina, o Rapaz viu-o desaparecer. Não porque estivesse totalmente fora do seu campo de visão, mas porque, e apenas porque, a partir daquele momento, o passageiro que seguia no banco de trás deixara de ter qualquer papel a desempenhar no mundo.

quarta-feira, setembro 13, 2006

[dos cavaleiros]

Foi sempre assim. Os seus olhos nem dão conta da primeira lágrima que se solta no azul da manhã. E logo duas lágrimas, três, cinco, e, antes que ela se aperceba, chovem lágrimas como chovem estrelas no ar azul da manhã. E os seus olhos, que são mar e são presa da linha que separa o azul da terra do azul do céu e para a qual converge o pedaço de poeira que se afasta e se afasta e vai deixando o azul da manhã tão mais só, os seus olhos nem reparam na cortina tecida de lágrimas que neles nasce.

E ao longe a mancha de fumo atravessa o horizonte, lançando sem dúvida o cavaleiro em voo de encontro à aventura que o espera do outro lado do mundo. E o azul da manhã torna-se água, o azul da manhã torna-se lago onde caem como estrelas as lágrimas dela.

E da sua dor nascem borboletas em tons de laranja, nascem-lhe entre os cabelos e partem para procurar os cabelos ao vento do cavaleiro, lá pelos montes do outro lado do mundo. E uma menina que se afaste um pouco da sombra da árvore onde os seus pais fazem o piquenique há-de olhar para o céu e ver a ponte de borboletas laranja que o atravessa até à linha que separa o rosa da terra do rosa do céu (pois os piqueniques são fruto da sombra das tardes), e pensará que terão certamente sido enviadas por uma donzela em busca de um cavaleiro que partiu para aventuras do outro lado do mundo. E, agora que as viu, está fadada a ser uma donzela que espera um cavaleiro.

E o tempo passa pelas árvores, soprando-as de branco, e pela menina, fazendo-a rodopiar nos bailes da aldeia à vista dos mancebos da região – qual deles lhe estará destinado por essas mãos que se movem entre nós, a que alguns chamam de deus, outros fado, outros amor? –, passa enfim por toda a parte até à linha que separa o branco da terra do branco do céu. Mas, ao acercar-se da donzela, repara nas borboletas que partem dos seus cabelos em direcção a montanhas que se escondem para lá dos domínios do tempo, segue o olhar que não cessa de procurar no horizonte, mesmo quando ela dorme, ou borda, ou caminha no pomar, ou ouve as raparigas a dançar nos bailes, lembrando-se de quando era uma menina que começava a rodopiar, observa-a intrigado por um pouco e finalmente ilumina-se: Esta é, claro, uma donzela que espera um cavaleiro! E, perante essa evidência, o tempo contorna-a em bicos de pés, em silêncio para que não dê por ele, passando ao seu lado sem a transformar, deixando assim, como sempre sucede, a donzela suspensa do tempo, no azul da manhã, no rosa da tarde, nos tons do entardecer.

E um dia ela acorda antes da manhã, e sabe. Sente-o nos cristais de neve que caem com reflexos de vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta. Sabe-o pela melodia segredada no instante em as cigarras se calaram e os pardais ainda não começaram a cantar. Sabe-o pelo voo das borboletas sobre si. E ela sai num folêgo, a terra girando sob os seus pés, e vê. Vê a neve a cair de mansinho na madrugada. Vê a ponte de borboletas um pouco menos laranja, um tanto mais dourada. E vê. Vê as cores a nascerem no horizonte, no sítio onde as borboletas desaparecem. Vê o arco-íris crescer devagarinho desse ponto, vê-o seguir o rasto de borboletas, vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta a romperem a madrugada. Vê-o acabar assim, quase a tocar o chão, à sua frente, em cintilações de paraíso. E depois vê, vê o brilho dourado sobre o arco-íris. Vê-o aproximar-se, montado em cavalo branco, cavalgando sobre todas as cores. Vê-o aproximar-se de cabelo ao vento, empunhando espada de prata com que traça constelações, envergando manto de pó de estrelas, trazendo as queimaduras de vulcão, a cicatriz de garras de dragão, as pisadelas dos elementos e sobretudo, acima de tudo o que há de ser, o seu riso preso nos lábios, o seu destino enclausurado nos olhos, todos os passos de dança nos braços. E sob um céu cruzado por borboletas douradas e arco-íris, ele chega.

E chegam a manhã e a primavera. Como sempre será.


(espero que consigas ver como eu a manhã e a primavera chegarem, o modo como o arco-íris cresce para cobrir todo o céu quando eles se abraçam, e desce depois sobre a terra em cintilações de paraíso, acordando as flores das sete cores que esperavam cobertas pela neve, a fina e reluzente camada de neve, e a forma como as flores ao despontar chamam as borboletas douradas e elas vêm espalhando pó de borboleta na luz da manhã, a manhã que nasceu no beijo deles atraindo o sol, e a manhã que nasceu ecoando até ao horizonte a melodia segredada por essa coisa meio véu, meio sopro, meio passagem, essa coisa a que alguns chamam deus, outros fado, outros amor.)

quinta-feira, julho 20, 2006

Four Hearts

Ora bem! Isto está por aqui muito vazio e já vem sendo tempo de o povoarmos com ditos lindos e elegantes... (ou não!)

Por agora, fica aqui o post (trunfo?) inicial. Um Bem Vindos de mim para quem lê.